EXCLUSIVO – O open insurance avança na sua terceira fase, que permitirá aos clientes, caso desejem, acessarem e utilizarem serviços de diferentes seguradoras de maneira integrada, por meio de plataformas e API’s e com maior controle sobre seus dados, podendo autorizar o compartilhamento deles com diferentes empresas e serviços. Quanto a seguradores e corretores, a palavra de ordem do momento para eles é “hiperpersonalização”, com a inteligência artificial ditando as regras do jogo. Há, contudo, muitos gargalos nesse processo que são debatidos por especialistas de mercado ouvidos por Apólice
“No cenário atual de seguros em rápida evolução, dois desafios cruciais se destacam: como atrair e reter clientes e como se manter competitivo em um mercado cada vez mais digital. As abordagens tradicionais e universais não repercutem mais, especialmente entre consumidores mais jovens e antenados em tecnologia, que esperam experiências altamente personalizadas. A solução? Hiperpersonalização”. A recomendação é de Neeraj Malhotra, especialista indiano em inovação tecnológica e CEO da Acceltree Software, uma fornecedora de tecnologia para os setores de seguros e bancário, com sede em Pune, na Índia, e escritórios no Canadá, nos Estados Unidos, na Malásia e no Sri Lanka. Em artigo recentemente divulgado e intitulado The growing importance of hyper-personalization in insurance (A crescente importância da hiperpersonalização em seguros), Malhotra ressalta que a hiperpersonalização não é mais “um luxo” e, sim, uma “expectativa”. Os clientes de hoje, frisa o executivo, exigem experiências personalizadas que estejam em sintonia com seus objetivos financeiros, estilos de vida, perfis de risco e preferências de comunicação. “Simplesmente dirigir-se a um cliente pelo nome e sobrenome em um e-mail não é mais suficiente. Em vez disso, as seguradoras devem utilizar IA, dados comportamentais em tempo real e análises preditivas para criar experiências de seguro altamente individualizadas”, sinaliza Malhotra.
Quem dita todo esse processo de hiperpersonalização é a Inteligência Artificial, norteando dados em tempo real e análises comportamentais para oferecer produtos e serviços financeiros personalizados aos clientes. Para as seguradoras, isso se traduz em: preços de apólices personalizados com base em dados comportamentais e de estilo de vida em tempo real; gerenciamento de leads orientado por IA, que se adapta à intenção do cliente; personalização do processamento de reivindicações, oferecendo autoatendimento para usuários com conhecimentos em tecnologia e reivindicações assistidas para aqueles que preferem suporte humano e recomendações de políticas preditivas que antecipam as necessidades dos clientes antes mesmo que eles perguntem. Assim se constrói a hiperpersonalização, hoje uma tendência irrevogável em qualquer setor de mercado. São inúmeras as pesquisas que apontam nesse sentido. Uma realizada pela McKinsey, de 2023, mostra que 76% dos consumidores têm maior probabilidade de comprar de empresas que personalizam sua experiência; outra, da Accenture, divulgada um ano antes, sinaliza que 80% dos clientes de seguros buscam ativamente ofertas, mensagens e preços personalizados de seus provedores. Voltando o olhar para o nosso mercado interno, a pesquisa E-commerce Trends 2024, da Octadesk e Opinion Box, indica que 70% dos clientes se sentem mais confortáveis com empresas que oferecem produtos personalizados.
Hoje, o que se vivencia é uma aproximação forte entre os setores de seguros e dos bancos. O open finance e, agora, o open insurance, ambos empregados no Brasil, destaca essa realidade, que transcende o universo tradicional das apólices que predominava poucos anos atrás. O Banco Central do Brasil (Bacen) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) trabalham para integrar os dois modelos. Quem não compreender essa aproximação (ou mesmo rechaçá-la) moldada pela hiperpersonalização não sairá do lugar. Em 2023, o Boston Consulting Group (BCG) revelou, a partir de um de seus estudos, que as seguradoras que desenvolveram suas estratégias a partir da hiperpersonalização dos produtos registrarão uma evolução de receita de 2 a 3 vezes superior à média de crescimento do setor e, ainda, terão redução de índices de despesas entre 4 e 5 pontos percentuais até dezembro deste ano.
Embora a hiperpersonalização ofereça vantagens significativas, as seguradoras precisam lidar com alguns desafios. A pesquisa de seguros da KPMG, de 2023, mostra que 67% dos executivos de seguros citam preocupações com a privacidade de dados como o maior desafio para o desenvolvimento de produtos padronizados em conformidade com o perfil do consumidor. O estudo revela ainda que 58% apontam as limitações do sistema legado como uma grande barreira. Do total de entrevistados, 51% destacam a conformidade regulatória como um obstáculo rumo à consolidação da hiperpersonalização. “Hoje, podemos afirmar que, entre dez empresas, ao menos metade já emprega algum tipo de Inteligência Artificial generativa para comunicação com clientes”, garante o superintendente Comercial e de Produtos Saúde e Odontológico da Seguros Unimed, Rodrigo Aguiar. A Seguros Unimed utiliza a Inteligência Artificial em diferentes frentes. Na comunicação com clientes, a central de atendimento é apoiada por IA. Nos processos internos, há iniciativas em áreas como técnica e atuarial, incluindo projetos voltados à subscrição automática de apólices e à análise de risco com machine learning, além do uso de IA para prevenção a fraudes. “Para garantir segurança e confiabilidade, a companhia adota governança específica para IA, monitoramento contínuo dos modelos em produção e conformidade com a LGPD”, acrescenta Aguiar.
General manager Latam do InsureMO, Rafael Rodrigues lembra que em mercados maduros, como Reino Unido, Japão e Índia, a hiperpersonalização já constitui-se em prática comum em seguros. “Vemos isso em prática. Seguros automotivos com precificação baseada em uso [“UBI”, usage-based insurance ou seguro baseado no uso], sendo impulsionada por telemática, cobertura de saúde ajustada dinamicamente com dados de wearables, e seguros viagem que são ativados automaticamente quando o cliente cruza uma fronteira ou embarca em um voo. Na Índia, o aplicativo de transporte Ola incorpora cobertura de acidentes pessoais diretamente nas viagens usando nossa plataforma, adaptada dinamicamente ao perfil do usuário e aos detalhes da viagem. No Japão, integrações com marketplaces, como a Amazon, permitem a ativação de produtos de nicho como seguro para animais de estimação ou proteção de dispositivos móveis, com base no comportamento de compra”, exemplifica Rodrigues.
Entender o cliente e criar produtos ou trilhas específicas, porém agrupando o nicho, é algo usado há algum tempo pelo varejo, que cada vez mais está na mira da indústria dos seguros, como ressalta Luis Henrique Forster, cofundador da PDVBox. “Lembro-me de desenhar produtos neste formato dez anos atrás, mas não havia suporte tecnológico para serem lançados. O que é bem diferente hoje em dia, onde temos capacidade de entender os costumes do nosso consumidor e criar trilhas, produtos e modelos de negócios mais aderentes a essas necessidades. Existe ainda um grande passo para termos um movimento mais consolidado dessa linha, quando pensamos na necessidade de termos base de dados para podermos estudar e criar, mas acredito que, com a união do setor, teremos cada vez mais a oportunidade de desenhar soluções nichadas [sic] e específicas para as necessidades que o mercado busca”, pontua Forster.
ON DEMAND
Cresce a investida em produtos pay-per-use ou sob demanda em vários segmentos de mercado. No de seguros não é diferente. Há exemplos de coberturas para drones, pets, bicicletas elétricas etc.
CEO da Fitinsur, Denise Oliveira acredita que o futuro do seguro está na flexibilidade e na capacidade de o cliente pagar apenas pelo que realmente usa ou precisa. “A Inteligência Artificial é o motor que possibilita essa agilidade. Nossos produtos são desenhados com a IA em sua essência para viabilizar essa modalidade. Por exemplo, para seguros de drones a IA não apenas permite a precificação dinâmica baseada no uso real [tempo de voo e distância percorrida], mas também otimiza a gestão de sinistros, identificando padrões e prevenindo fraudes de forma mais eficiente. A capacidade da IA de processar e interpretar grandes volumes de dados em tempo real é o que torna esses produtos viáveis e rentáveis para nós, ao mesmo tempo em que oferece um valor inestimável para o cliente, que ganha em flexibilidade e custo-benefício”, afirma a executiva.
Rodrigo Aguiar tem outro ponto de vista: “Embora haja iniciativas e cases pontuais voltados para produtos sob demanda, como seguros para nichos específicos ou de menor duração, o modelo ainda não se consolidou em larga escala no Brasil. O setor securitário nacional está em processo de transformação digital, o que cria espaço para esse tipo de inovação. No entanto, a estrutura ainda tradicional do mercado, somada a desafios de regulação e interoperabilidade, faz com que os produtos pay-per-use ainda sejam mais exceção do que regra. A personalização e modularização de coberturas, como têm sido feitas por algumas seguradoras, com foco em bem-estar e saúde preventiva, sinalizam uma tendência, mas sua popularização ainda depende de avanços no uso estratégico de dados, Inteligência Artificial e novas parcerias dentro do ecossistema de saúde e seguros.”
Para Forster, a grande busca do mercado hoje está, todavia, em entender cada vez mais onde a “grama está gasta” e pavimentar ali os produtos. “Sem Inteligência Artificial, esses modelos não teriam como ser viabilizados, pois dependem de conhecer o público, criar produtos aderentes e cuidar dessa demanda de vendas, no modelo que for desenhado. Estamos atentos a essas mudanças, em parceria com seguradoras e clientes, mapeando as oportunidades”, pontua.
NOVOS CAMINHOS
Em mercados mais maduros, há aplicação de embedded insurance (seguro embarcado) e usage-based insurance (seguro baseado no uso) possibilitadas pela análise preditiva e pela integração com dispositivos IoT (internet of things ou internet das coisas) e wearables. No Brasil, segundo Rodrigo Aguiar, essas tendências ainda estão em amadurecimento. Apesar de haver iniciativas promissoras, como o uso de Inteligência Artificial e dados para personalização de jornadas e predição de riscos, ainda há barreiras relevantes, como argumenta o especialista: “A regulação, o baixo nível de interoperabilidade dos dados e a falta de maturidade digital de parte do ecossistema são alguns dos fatores que limitam uma adoção mais ampla de modelos como embedded e usage-based insurance. Iniciativas, como o open health, e o uso de tecnologias, como wearables e IoT, indicam um caminho possível, mas ainda é necessário maior integração entre os players, padronização de dados e estímulo à inovação regulatória para alcançar o nível observado fora do Brasil”, sinaliza.
Denise Oliveira segue a mesma linha opinativa e aponta barreiras. Para ela, no Brasil, embora haja um crescente interesse e algumas iniciativas pontuais, ainda prevalece um estágio de amadurecimento. “As seguradoras brasileiras estão, sim, acompanhando essa tendência, mas talvez não na mesma toada por alguns motivos. O principal gargalo reside na infraestrutura de dados e na cultura de compartilhamento e análise. Embora existam dados, muitas vezes estão em silos, não padronizados, ou carecem de integração para permitir uma análise preditiva robusta. A cultura de colaboração entre seguradoras e empresas de tecnologia, como a Fitinsur, está crescendo, mas ainda há espaço para maior sinergia para acelerar a adoção dessas inovações”, avalia a executiva.
Para que isso aconteça em maior escala no Brasil, Denise aponta alguns aspectos: o primeiro deles é o investimento em infraestrutura de dados na busca por modernização dos sistemas legados e pela criação de plataformas que permitam a coleta, o tratamento e a integração de dados de diversas fontes. O segundo consiste na adoção de tecnologias avançadas caracterizada pelo uso mais amplo de IA, machine learning e IoT para análise preditiva e personalização. Um terceiro aspecto refere-se ao desenvolvimento de ecossistemas baseado no fomento à colaboração entre seguradoras, startups, insurtechs e provedores de tecnologia para a criação de soluções integradas. Por fim, Denise cita “educação” e “conscientização”. “Tanto dos consumidores sobre os benefícios desses modelos, quanto das próprias seguradoras sobre o potencial de transformação”, acrescenta.
Países como Reino Unido, Alemanha, Japão e Estados Unidos avançaram significativamente na adoção de seguros embutidos e baseados em uso (UBI), utilizando análise preditiva, dispositivos IoT e wearables para oferecer coberturas contextuais, como seguro automotivo precificado por quilometragem, seguros de vida e saúde influenciados por dados de rastreadores de fitness, e seguros viagem ativados automaticamente em pontos de compra ou check-in. “No Reino Unido, seguradoras digitais incluem proteção cibernética ou de dispositivos em compras online. Na Alemanha, montadoras oferecem seguros automotivos baseados em uso junto à venda do veículo. Na Índia, plataformas como Ola [transporte] e Cred [serviços financeiros] usam o InsureMO para embutir ofertas de seguros de curto prazo diretamente nas jornadas dos clientes, emitindo mais de 600 mil apólices por dia em alguns casos”, assinala Rafael Rodrigues, ponderando, contudo, que principal barreira no Brasil não é a tecnologia, mas a falta de uma camada intermediária neutra e flexível que possa conectar sistemas legados com novos canais e fontes de dados.
O open insurance pode ser um catalisador para a aceleração da hiperpersonalização, diz Denise Oliveira. “Isso significa que, em vez de basear as ofertas apenas nos dados que a própria seguradora possui, teremos uma visão 360 graus do cliente, permitindo uma segmentação muito mais granular e a criação de produtos e serviços que são incrivelmente relevantes para o seu perfil e momento de vida. O open insurance, ao permitir esse fluxo de dados seguro e consentido, é a base para a construção de modelos de IA mais precisos e, consequentemente, de experiências hiperpersonalizadas de alto nível”, afirma.
A regulamentação existe, como acentua Rodrigo Aguiar, e o ecossistema está sendo desenvolvido, mas a aplicação plena da hiperpersonalização baseada em open insurance ainda enfrenta desafios, como a padronização de APIs, a interoperabilidade entre plataformas e, principalmente, a confiança do consumidor no uso seguro dos seus dados. “No futuro próximo, espera-se que essa integração entre hiperpersonalização e open insurance não apenas melhore a experiência do cliente, como também fomente novos modelos de negócio, produtos on demand e parcerias entre seguradoras e fintechs e insurtechs, tornando o mercado mais dinâmico e centrado no usuário”, anseia Aguiar.
Por outro lado, como compara Rafael Rodrigues, Reino Unido e Austrália, por exemplo, estão avançados na implementação de frameworks de open insurance integrados a ecossistemas de open data. Os dois países já possibilitam que seguradoras, com consentimento do usuário, acessem dados bancários, indicadores de estilo de vida e scores de risco de terceiros para customizar coberturas em tempo real. “O open finance brasileiro está mais avançado que o open insurance. Bancos, fintechs e provedores de crédito já utilizam dados interinstitucionais para oferecer produtos financeiros hiperpersonalizados. Esse grau de maturidade ainda não foi alcançado no seguro devido à resistência cultural, sistemas legados fragmentados e evolução regulatória mais lenta”, alerta Rodrigues.
SINTONIA FINA
O cenário que se desenha no setor de seguros sob a égide do open insurance exige que a área de negócios das seguradoras esteja em sintonia com três especialistas de TI essenciais no processo de hiperpersonalização no mercado securitário: o engenheiro de dados, a quem cabe toda arquitetura de informação e organização e armazenamento de dados; o cientista de dados, que coleta, analisa e interpreta os dados para deles extrair informações valiosas e ajudar a seguradora a tomar decisões estratégicas, e, por fim, o engenheiro de machine learning, que viabiliza a implementação dessas estratégias de decisão em produção, fazendo com que as ofertas adequadas cheguem aos clientes corretos. Essa aproximação das seguradoras com os especialistas ainda não está em franca evolução no mercado brasileiro de seguros. Rodrigo Aguiar explica o porquê: “A aproximação está em fase de amadurecimento no mercado brasileiro de seguros, embora já existam sinais claros de evolução. Os principais gargalos enfrentados pelas seguradoras incluem a escassez de profissionais especializados, a baixa integração entre as áreas de negócios e tecnologia e a infraestrutura legada, que muitas vezes não está preparada para suportar a complexidade dos projetos baseados em dados.”
Denise Oliveira vê avanços, mas também barreiras. Ela explica que o setor tem reconhecido a importância desses profissionais e investido na contratação e no desenvolvimento de talentos. No entanto, os principais gargalos , segundo ela, concentram-se na cultura organizacional, escassez de talentos e lacuna de conhecimento.
Mas há soluções para esses gargalos, como opina Denise, que incluem quatro ações: investimento em capacitação interna, onde programas de treinamento e desenvolvimento para equipes de negócios e TI possam promover uma linguagem comum e um entendimento mútuo dos desafios e oportunidades; recrutamento estratégico, cujo foco em atrair e reter talentos de dados e IA oferecem não apenas remuneração competitiva, mas também um ambiente de trabalho inovador e projetos desafiadores; criação de equipes multidisciplinares, ou seja, formação de squads que integram profissionais de negócios, dados e tecnologia desde o início dos projetos, garantindo que as soluções sejam desenvolvidas com uma visão holística, e, por fim, a parceria com startups e insurtechs, que trazem expertise em dados e IA em seu DNA, podendo complementar as capacidades internas das seguradoras e acelerar a inovação. “Acreditamos que, à medida que o mercado de seguros no Brasil amadurece, a sinergia entre negócios e tecnologia se tornará cada vez mais forte, impulsionando a hiperpersonalização e a criação de valor para todo o ecossistema”, finaliza Denise.
No mais, em relação à hiperpersonalização de produtos, resta à indústria securitária brasileira ficar atenta ao que recomenda o indiano Neeraj Malhotra, para quem as empresas que hesitam correm o risco de ficar para trás à medida que as expectativas dos clientes continuam a evoluir. As seguradoras, sugere o CEO da Acceltree Software, precisam agir agora, não apenas para se manterem competitivas, mas para redefinirem como o seguro agrega valor na era digital. A hora chegou.
*Matéria originalmente publicada na Revista Apólice #309
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